Código de Ética Ed.Física (IMPORTANTE)

 

O CÓDIGO DE ÉTICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA:

Caminhos da nova profissão no século XXI

  

Renato Sampaio Sadi*

 

RESUMO

Este artigo discute o Código de Ética da Educação Física e os caminhos da profissão (Lei 9.696/98) apresentados com os conceitos de democracia, ética e mercado. O objetivo é demonstrar a importância da ética, aparentemente valorizada.

PALAVRAS-CHAVE: Regulamentação; código de ética; profissão; mercado.

 

INTRODUÇÃO

 

         Indiscutivelmente a Educação Física é uma área em expansão. O número de instituições que apostam neste crescimento também alarga os horizontes deste setor que congrega múltiplas atividades humanas. Cresce também o número de cursos superiores de Educação Física e dos possíveis espaços a serem (re)criados de forma a alocar os egressos no mercado de trabalho. Este artigo procura discutir a Educação Física como uma nova profissão, visto que a Lei 9.696/98 (regulamentação e fundação dos Conselhos profissionais da Educação Física) começa na prática, a organizar o funcionamento da profissão. Entre outras possibilidades um Código de Ética profissional representa uma importante ferramenta que visa, a partir dos profissionais da área, promover a socialização e a qualidade das manifestações da educação e das atividades físicas.

         As expectativas em torno de seu significado cresceram após a publicação da resolução nº 25/2000 que dispõe sobre o código de ética dos profissionais. O documento faz referência ao Manifesto Mundial de Educação Física FIEP 2000, organismo internacional fundado em 1923, no qual se preconiza a readaptação e o aperfeiçoamento das atuações. Cita o I Simpósio de Ética no Esporte e na Atividade Física e destaca que a minuta do Código foi disponibilizada na internet para reflexão e análise. (cf. Confef, Resolução 25/2000).

         Sob a responsabilidade dos professores João Batista Andreotti Gomes Tojal, Lamartine Pereira da Costa, Heron Beresford e Antonio Roberto da Rocha Santos (além das análises dos professores Alberto dos Santos Puga Barbosa, Carlos Alberto Oliveira Garcia e José Maria de Camargo Barros) as principais razões que justificam a existência de um código de ética para a área situam-se na tentativa de formar um consenso mínimo entre os profissionais de Educação Física, que seriam os condutores, no plano individual e subjetivo, da realização ética. Diz a resolução em seus considerandos que o CONFEF, sendo formador de opinião e assumindo compromisso ético e moral na promoção de maior justiça social, deve disciplinar a promoção das atividades físicas, desportivas e similares através dos direitos e deveres universalmente aceitos.

“A ética tem como objetivo estabelecer um consenso suficientemente capaz de comprometer todos os integrantes de uma categoria profissional a assumir um papel social, fazendo com que, através da intersubjetividade, migre do plano das realizações individuais para o plano da realização social e coletiva.” (Confef/Cref, 2000)

 

         O profissional da área como elo de ligação com a sociedade é o elemento que articula teorias com práticas para a difusão, através do esporte, do jogo, da ginástica, da brincadeira, das manifestações rítmicas, da música e das atividades de lazer, dar qualidade social à vida. Além da necessária preparação profissional, os espaços institucionais podem ser (re) criados com a perspectiva de contribuir no convívio democrático das relações. Isso significa uma aproximação entre aquele que elabora e executa ações (o professor) e aqueles que buscam aprendizagem (os alunos). Tal aproximação, conduzida em ambiente democrático constitui a alternativa privilegiada da ação pedagógica e com ela a ética como valor fundamental, desenvolve sua potencialidade.

         Regulamentar a ética em um código para a Educação Física, não é, todavia, um processo sem contradições. Isso por que historicamente, a área se constituiu como espaço escolar, isto é, como espaço de ensino na instituição-escola, e o profissional responsável, chamado de professor de Educação Física, com vínculos majoritariamente, educacionais, já possuía a normatização de seu exercício profissional. Não havia até a década de 1980 em nosso país, o grande número de academias de ginástica e espaços alternativos como ruas de lazer, clubes e hotéis que hoje se alastra até em cidades pequenas. Com a ampliação do setor de serviços, a década de 1990 trouxe um certo alargamento no mercado profissional da Educação Física. Com isso dois fenômenos puderam ser observados: o sucateamento e abandono da área escolar do ensino básico (com início desde a década de 1970) e as interferências de outras áreas profissionais, como fisioterapia, psicologia e esporte competitivo. Se de um lado, o ensino da Educação Física na escola passou a ser sistematicamente desvalorizado, por outro o status profissional destas outras áreas direcionou as intenções de alguns professores que almejavam uma profissão estável e portanto, regulamentada. Além disso, ser professor de Educação Física significava desprestígio em relação aos professores de outras disciplinas. Uma das raízes históricas que explica tal isolamento do professor de Educação Física está na relação do trabalho manual com o trabalho intelectual. Enquanto o primeiro representa a escravidão e as atividades corporais com sentido de desgaste físico, o segundo diz respeito às atividades consideradas nobres e distanciadas da prática, que nesta ótica está abaixo da mente e portanto, descomprometida com o conhecimento.

 

O PROCESSO POLÍTICO DE REGULAMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA

 

Diante de algumas alterações no padrão de regulação social e dos impactos do neoliberalismo, que tem como conseqüências diretas o encolhimento do Estado nas políticas sociais e o desemprego (cf. Therborn, 1995: 39) a Educação Física seguindo sua trajetória histórica de herança do militarismo e da medicina higiênica, viveu na década de 1980 um embate de duas perspectivas antagônicas: os conservadores contra os setores democratas. Não temos aqui a intenção de recuperar todo esse debate. Limitamo-nos a apontar as perspectivas de regulamentação da Educação Física. Muitas foram as possibilidades de regras, regulamentos, leis, decretos e instituições legais. Entre elas, a Divisão de Educação Física no Ministério da Educação e Saúde, desde a década de 1940, os departamentos de Educação Física de Secretarias de Estado de Educação, tentativas de códigos disciplinares para a ética do professor de Educação Física (cf. Cunha Jr et al, 2000) e, acrescentamos, tentativas da CENP-SP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas que apostou na qualificação dos professores de Educação Física das escolas públicas do Estado de São Paulo. Na década de 1990, o movimento pela regulamentação da profissão, refletiu a retomada pelo setor conservador do espaço político perdido na década anterior (cf. Castellani, 1998:83). Através da tramitação do Projeto 330/95, a regulamentação da Educação Física seguiria sua marcha rumo à Lei 9.696/98 que consolidou a perspectiva de formação dos Conselhos.

“Tal projeto tem sua origem em uma articulação desenvolvida pela APEF/RJ (...) significa a percepção de que, através da bandeira da Regulamentação, abriu-se novamente espaço para que aqueles setores afastados da cena política da Educação Física brasileira, desde o final dos anos 80, voltassem a ela de forma avassaladora (...) Assim, o Movimento pela Regulamentação reflete, em última instância, a possibilidade concreta visualizada por setores da Educação Física, situados no campo de centro/centro/direita, de voltarem ao cenário político da categoria”.(Castellani, op.cit: 86).

O atual debate da Lei 9.696/98 e a própria constituição dos Conselhos Profissionais em um processo marcadamente antidemocrático revela interesses corporativos e econômicos na filiação de mais de 9 mil profissionais que são formados por ano no país, além dos quase 150 mil profissionais ativos na área Revela principalmente, interesses na ampliação do mercado paralelo que exclui a Educação Física escolar. Como os salários dos profissionais da Educação sofreram uma acentuada queda nos últimos anos, o espaço da área não escolar foi aberto como possibilidade liberal, imprimindo competitividade na área. Entretanto, o interesse de academias e instituições privadas que tratam de questões corporais/atividades físicas e esportivas continua sendo pela contratação de leigos, ou seja, pela diminuição da folha de pagamento e aumento na rotatividade de pessoal. Mesmo regulamentando a profissão e criando a fiscalização nos locais de trabalho, a tendência é atuar com contratos temporários, sem vínculos empregatícios e com aumento nas jornadas de trabalho, visto que não há nenhum tipo de estabilidade neste segmento. Nem por parte do empresário, nem por parte do empregado, nem por parte do usuário do serviço. Nesse sentido a nomenclatura “profissionais de Educação Física” aparentemente responsável pelo alargamento dos horizontes dos sujeitos envolvidos, acaba sendo restritiva pois, ao fragmentar a área, reforçando a esteriotipação do bacharelado e da licenciatura, almeja, alijar os “professores de Educação Física” ao mesmo tempo em que obriga, por força de um Conselho Profissional a adesão/filiação de todos.

Uma vez estabelecida a confusão institucional entre o bacharelado e a licenciatura, todas as energias são canalizadas para o fetiche da regulamentação, ou seja, trata-se de um Conselho “poderoso”, capaz de absorver e resolver muitos dos problemas da Educação Física. O espaço escolar, nesta lógica, estaria entregue à ética do positivismo, imposta soberanamente. Isso aponta para uma (re) significação do projeto pedagógico da/na escola básica. Fazer e não pensar a Educação Física: eis o lema, eis a questão! O teor destas mudanças pode ser visualizado no Código de Ética da profissão. Permeado de fórmulas mercantis, a ética se transforma na possibilidade de desarticular, isolar, enfraquecer e descentralizar as atenções da escola. Esta passa a ser a mediação fundamental do projeto político em disputa. O objetivo é alavancar o segmento não escolar: academias, lazer, clubes, hotéis e condomínios residenciais através da ofensiva às diretrizes curriculares de cunho democrático. Currículos enxutos e direcionados à este segmento.         Além das questões políticas, as ideológicas estiveram (e estão) presentes no debate sobre regulamentação da Educação Física. Refletindo sobre a perspectiva conservadora, Nosaki critica os defensores da regulamentação apresentando os seguintes argumentos:

“No intuito de conseguir a simpatia de nossos colegas professores junto ao projeto da regulamentação, a centralização dos ataques aos leigos acabou escondendo que tais pessoas seriam outros profissionais qualificados tais como os de educação artística, música, teatro, artes marciais, mas também nossos próprios alunos de Educação Física. Neste último caso ataca-se justamente a pessoa que, na intenção de buscar melhor qualificação para compreender/enfrentar o mundo do trabalho, também é explorada pelo proprietário do meio de produção.”(Nosaki, 1999:164)

         Diante do processo político em curso, a regulamentação da profissão não está consolidada de fato, pois, ainda faltam, além dos elementos éticos (a serem efetivamente socializados de forma consciente com os professores de Educação Física) a conquista das novas gerações que são os estudantes de Educação Física. Segundo Barros,

“Sabe-se que a regulamentação em si é um fato importante, porém, só dará frutos se outros fatores forem considerados. O futuro da profissão em Educação Física, além da regulamentação, depende da competência técnico-científica e qualidade ética dos seus profissionais. Um profissional competente que assuma um compromisso altruísta com a profissão e com a sociedade”(Barros, 2000:108)

         A realidade da Educação Física não pode ser descartada e os agentes da transformação tampouco responsabilizados por tamanha tarefa. Se as novas gerações aprovarem e legitimarem os conselhos, poderemos democratizar as relações e isso será um grande passo. Mas considerar a ética como valor abstrato fazendo com que individualmente os sujeitos conduzam o processo, pode parecer democrático, mas na verdade, desconsidera a concretude da Educação Física, repleta de miséria, ignorância e abandono.

Há caminhos coletivos ainda pouco experimentados como os Conselhos Estaduais e Municipais de Esporte, definidos nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas Municipais (cf. Castellani, op.cit: 90) que poderiam garantir a qualidade dos serviços do mercado paralelo da Educação Física, dando a ele um caráter acentuadamente democrático e emancipador. Assim, o sistema CONFEF/CREF, por enquanto, utilizando-se dos mecanismos aparentemente democráticos, conduz o poder da nova profissão, trazendo adeptos nem sempre conscientes de seus direitos. Não custa lembrar que os membros dos seis conselhos regionais do país foram indicados pela entidade nacional e, não eleitos através de uma ampla discussão ético-política da Educação Física. Criticamos tais procedimentos por julgarmos que o código de ética também deveria, em sua formulação, prever prazos maiores para o debate.

 

O DISCURSO DA QUALIDADE PROFISSIONAL

 

         O código de ética da Educação Física é o instrumento que visa legitimar, no âmbito da profissão, as ações dos profissionais em exercício da área. Este código está formalmente vinculado às Diretrizes regulamentares do CONFEF – Conselho Federal de Educação Física e seus desdobramentos que são os CREFs – Conselhos Regionais de Educação Física. (cf.Confef/Cref, 2000)

                A experiência da área no que se refere à sua expansão para além do sistema escolar teve respaldo institucional e corporativo no sistema que precedeu a existência do CONFEF/CREF, ou seja, nas APEFs – Associações de Professores de Educação Física, vinculadas à FBAPEF – Federação das Associações de Professores de Educação Física. É desta experiência que se extrai o dever fundamental do profissional de Educação Física. Os acúmulos educacionais presentes no interior do CBCE – Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, ainda que respeitados, não foram devidamente considerados do ponto de vista científico, ou seja, da iniciação científica que a área trilhou nos anos 80. Assim, na redação do código não se observa nenhuma referência à construção (científico-acadêmica) de uma ética profissional. Isto não significa que um código de ética deva mencionar autores e citar obras em sua textualidade. Um código de ética é uma Lei para determinada categoria profissional, entretanto, notamos que o significado desta Lei está nem sempre está claro: a defesa do mercado profissional.

Isto pode se apreendido do estudo do código, como por exemplo, no parágrafo a seguir:

“Levando-se em consideração a experiência histórica e internacional, o dever fundamental do profissional de Educação Física é o de preservar a saúde de seus beneficiários nas diferentes intervenções ou abordagens conceituais, ao lidar com questões técnicas, científicas e educacionais, típicas de sua profissão e de seu preparo intelectual (...) Além da ordem universalista, o Código de Ética deverá levar em consideração, valores que lhe dão o sentido educacional almejado (...) valores como liberdade, igualdade, fraternidade e sustentabilidade (...) Em particular, o valor da identidade profissional no campo da atividade física – definido historicamente durante 25 séculos – deve estar presente associado aos valores universais de homens e mulheres em suas relações sócio-culturais”. (Confef/Cref, 2000)

         O exercício da Educação Física (escolar) é estabelecido pelo MEC que credencia os professores mediante a aprovação em cursos de licenciatura. A qualidade profissional depende de um amplo conjunto de relações sociais que incluem desde a formação inicial (graduação) à formação continuada e acadêmica/científica (pós-graduação). Além disso, há que se considerar as diversas agências/instituições que colaboram na questão da formação (associações culturais e recreativas, sindicatos, igreja, partidos políticos, grupos de estudo etc). As próprias APEFs – Associações de Professores de Educação Física contribuíram para a formação/qualificação do professor. Seu projeto político, pedagógico e social foi inserido no sistema CONFEF/CREF e hoje seu papel está reduzido à existência meramente burocrático/recreativa.

         O Código de Ética da Educação Física representa a primeira tentativa concreta de enraizar a Educação Física como profissão consolidada, pois se a participação nas APEFs tinha um caráter espontâneo, voltado para a difusão cultural, o vínculo do sistema CONFEF/CREF é de caráter compulsório, baseado em Lei, com código definido, anuidade estabelecida e aparentemente democrático. Visualiza-se o mercado da Educação Física em expansão e constata-se que as possibilidades mercadológicas são imensas. Nesta lógica, a Educação Física deixaria de ser apenas um serviço para se tornar uma mercadoria em potencial. O sentido atribuído aos profissionais da área que almejarem a competência, a ética, a responsabilidade, o zelo, a moral e os bons costumes do código é a submissão às regras do mercado profissional. O ponto central da qualidade profissional na Educação Física passa a ser o “empacotamento” da estética, da preparação física e da promoção da saúde para a venda do produto (o corpo através da Educação Física e as derivações mercadológicas) ao cliente. No Capítulo III “Das responsabilidades, deveres e proibições”, o artigo 1º sugere e recomenda que a prestação do serviço profissional deve ser submetida à avaliação do cliente, às suas determinações e desejos.

“Promover uma Educação Física no sentido de que a mesma constitua-se em meio efetivo para a conquista de um estilo de vida ativo dos seus clientes através de uma educação efetiva para promoção da saúde e ocupação saudável do tempo de lazer (...) Assegurar a seus clientes um serviço profissional seguro, competente e atualizado (...) Orientar seu cliente, de preferência por escrito, quanto às atividades ou exercícios recomendados, levando-se em conta suas condições gerais de saúde (...) Manter o cliente informado sobre eventual circunstância adversa que possa influir no desenvolvimento do trabalho que será prestado (...) Renunciar às suas funções, logo se positive falta de confiança por parte do cliente, zelando, contudo, para que os interesses do mesmo não sejam prejudicados, evitando declarações públicas sobre os motivos da renúncia (...) Exercer a profissão com zelo, diligência, competência e honestidade, observando a legislação vigente resguardando os interesses de seus clientes ou”. orientados e a dignidade, prestígio e independência profissionais” (Confef/Cref, 2000)

         O principal meio de Educação (física) ainda é o ensino formal na escola, ou seja, a garantia de investimentos em educação básica. Neste Código de Ética não existem relações da Educação Física com o currículo escolar no que se refere a pisos salariais. Em parte isto se deve à impossibilidade técnica e política do sistema CONFEF/CREF concorrer com os sindicatos de professores. Por outro lado às diferenças ideológicas presentes nas correntes de pensamento atuantes na área desde a década de 1980. As atribuições e o papel do Conselho (Federal e Regional) em muitos momentos, no que tange ao ordenamento dos sistemas educacionais, confundem-se com a regulação sindical promovida pelos professores. Por exemplo, no Capítulo IV, artigo 6º o código menciona os direitos dos profissionais de Educação Física, que pontuamos a seguir, explicitando as contradições ao compará-las com os direitos dos profissionais da educação.

“I – Exercer a profissão sem ser discriminado por questões de religião, raça, sexo, idade, opinião política, cor, orientação sexual ou de qualquer outra natureza”(ibidem)

O exercício da profissão é um direito do profissional da educação que na iniciativa privada é regulado pelo registro em carteira de trabalho (que é um contrato de comum acordo entre as partes envolvidas). No sistema público, o acesso ao cargo se faz por meio de concurso público de provas e títulos. A não-discriminação no interior do ambiente de trabalho não pode ser considerada um direito com garantia do código de ética. Assim, o tratamento subjetivo dado ao exercício da profissão confunde ética com moral, podendo ser interpretado de múltiplas formas.

“II – Recorrer ao Conselho Regional de Educação Física quando impedido de cumprir o presente código e a lei, no exercício profissional” (Confef/Cref, 2000)

Não pode ser válida para a escola, pois o exercício da profissão professor é regulado pela habilitação específica, registrada no MEC e pelo cargo assumido na instituição educacional. Por outro lado o que significa cumprir o código e a lei?

V – Participar de movimentos de defesa da dignidade profissional assim como do seu aprimoramento técnico, científico e ético.(ibidem)

Os direitos coletivos dos profissionais da educação incluem o direito de greve, que é assegurado pela Constituição. O elevado número de entidades técnicas e científicas, assim como os sindicatos procuram unificar suas ações nos movimentos de defesa da dignidade profissional. Cabe registrar que o sistema CONFEF/CREF foi incapaz de conclamar os professores de Educação Física para a discussão do Código de Ética. Como então será capaz de mobilizar a defesa da profissão, visto que este papel é mais político-sindical do que de regulamentação profissional?

A prestação do serviço profissional e as estruturas do trabalho a ser desempenhado são destacadas no artigo 7º do código da seguinte forma:

“O profissional de Educação Física deve fixar previamente o contrato de serviços, de preferência por escrito, em bases justas, considerando os seguintes elementos: A relevância, o vulto, a complexidade e a dificuldade do serviço a ser prestado; o tempo que será consumido na prestação do serviço; a possibilidade de ficar impedido ou proibido de prestar outros serviços paralelamente (...) sua competência renome profissional e equipamentos e instalações (...) valores médios praticados pelo mercado em trabalhos semelhantes” (Confef/Cref, 2000)

O artigo 67 da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional assim se refere à essa questão:

“Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: I – ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II – aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; III – piso salarial profissional; IV – progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho; V – período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; VI – condições adequadas de trabalho” (LDB, 9394/96)

         Nesse sentido a qualidade profissional estaria legalmente estabelecida mas legitimamente comprometida, isto é, pelo fato do código de ética ter sido elaborado às pressas, sem discussão com os principais atores envolvidos, os professores de Educação Física, as principais dúvidas da área, ainda não foram respondidas. Pode o Código de Ética da Educação Física regulamentar os quatro parágrafos do artigo 67 em questão? A validade da LDB em comparação com o código de ética da Educação Física é hierarquicamente superior e constitui um poderoso instrumento de ação profissional, cabendo à comunidade educacional discutir sua aplicabilidade.

Assim, entender a problemática da promoção da saúde para elaborar uma programática séria e eficaz, passa pela discussão ética e política da inserção e qualificação profissional, pelos determinantes econômicos, ideológicos e sociais e, sobretudo pelo projeto pedagógico de Educação Física pretendido, questões que não podem ser resolvidas apenas com um denominador restritivo que é a relação serviço prestado pelo profissional versus consumo do cliente, ou seja, a relação de mercado. É necessária a interferência do Estado como agente principal de educação do povo e os mecanismos democráticos das várias instituições e entidades da sociedade civil.

         Por outro lado é no conceito de qualidade que buscamos a interpretação do Código de Ética da Educação Física, visto que tal conceito tem sido vulgarmente utilizado para definir produtividade, eficiência, agilidade de relações de trabalho e ética. Segundo Souza Jr,

“Enquanto adequação ao uso, a qualidade está associada a uma visão subjetiva, do observador/consumidor, baseada em preferências pessoais. (...) Segundo essa visão, um produto tem qualidade quando está de acordo com as necessidades e anseios do consumidor. É possível observar que enquanto adequação ao uso, a qualidade está associada à capacidade de uma empresa de servir ao mercado. Enquanto conformidade com as especificações, a qualidade está associada à correta execução dos procedimentos técnicos envolvidos no processo produtivo; em outras palavras, está associada à capacidade produtiva da empresa (...) qualquer desvio significa a redução da qualidade” (Souza Jr, 1994:58)

Os equívocos deste Código estão na desconsideração do mercado brasileiro, que é pequeno em termos das atividades não escolares da Educação Física, frágil no tratamento e atendimento de uma qualidade ainda em discussão. Não deve ser tomado como modelo, copiando-se os modismos americanos de qualidade, tampouco os alunos podem ser tomados como clientes. A cultura escolar e educacional disseminada nos vários lugares da prática corporal é bem diferente da americana e européia. Objetivamente ainda temos um largo terreno de Educação (física) a trilhar e o Estado, bem como empresas de educação chamadas a intervir.

 

UM CÓDIGO PARA A ÉTICA DO MERCADO PARALELO NA ÁREA.

        

         Por um longo período histórico no país, a denominação “professor de Educação Física” esteve ligada às atividades físicas no interior da escola. Continua sendo assim apesar de suas atribuições terem sido ampliadas. As designações de técnico desportivo, preparador físico, monitor de atividades físicas, motricista, cinesiólogo e instrutor são nomenclaturas complementares e constituem a referida ampliação das atribuições. Um profissional bem preparado com visão de totalidade do ser humano seria o responsável pela aplicação prática das técnicas corporais e dos conteúdos da Educação Física. As especializações seriam cuidadosamente estudadas, revendo-se o sentido de fragmentação, presente no ensino tecnicista. (cf. Medina, 1992:141)

Curiosamente, o Capítulo II, “Deontologia” recupera a perspectiva de integração da Educação Física, ou seja, a unidade/identidade do corpo com a mente, mas inverte a lógica que a criou. Construída na década de 1980 por professores que criticavam a Educação Física de caráter tradicional, a concepção unitária busca a compreensão do homem sem negar a particularidade, contudo não a elevando a ponto de criar fragmentações e distorções no discurso e na ação. Ao promover a discussão da Educação Física com os desenvolvimentos corporais, intelectuais e culturais, bem como com a saúde global do ser humano e da comunidade (cf. Confef/Cref, 2000) o sistema CONFEF/CREF reproduz a perspectiva humanista de respeito à dignidade da pessoa humana, (re) estabelecendo a integridade como princípio, desde que se possa pagar por isso

“O profissional de Educação Física deve respeitar a vida, a dignidade, a integridade e os direitos das pessoas humana, em particular de seus beneficiários (...) as relações do profissional de Educação Física (...) devem basear-se no respeito, na liberdade e independência profissional de cada um, na busca do interesse e do bem estar dos seus beneficiários” (Confef/Cref, 2000)

Promover a cidadania e o respeito às individualidades organizando uma categoria profissional sem dar a ela canais de expressão, é falacioso. Mesmo a categoria de renomada expressão democrata tais como o Serviço Social e a Psicologia, tem encontrado dificuldades para, a partir de seus Códigos de Ética, imprimir mudanças na consciência de seus profissionais. Assim, não há ética (democrática) no mercado paralelo da Educação Física, pois seu crescimento desordenado e anárquico não é compatível com políticas (públicas e privadas) de atividade física, esporte e lazer de cunho democrático e participativo.

Therborn (1995:40) identifica a expansão mercantil através de um “triângulo institucional do capitalismo”. O autor apresenta quatro fases, divididas em momentos históricos de constituição das relações de mercado, Estado e Empresa. A primeira fase, o capitalismo competitivo clássico, seria o período compreendido pela segunda metade do século XIX; segue-se a segunda e terceira fases, denominadas de capitalismo organizado e capitalismo de bem-estar, respectivamente, ampliação dos mercados e ampliação da capacidade de intervenção dos estados. A quarta e última fase é denominada de novo capitalismo competitivo, configurada nas formas atuais de competição internacional. Para o autor, o Estado tem um poder político que pode ser autocrático ou democrático conforme a nação; as empresas, um poder de mando, que é o poder de negociação; os mercados, um poder competitivo. Todos esses poderes seriam fortalecidos ou enfraquecidos dependendo do momento histórico. Therborn afirma que enquanto o poder das empresas só aumentou no capitalismo organizado e o poder dos estados só no capitalismo de bem-estar, o poder dos mercados cresceu apenas recentemente, nas novas regras de produção, fluxo financeiro e comercial. A enorme expansão dos mercados financeiros estimulou a onda de privatizações e enfraqueceu estados nacionais (cf. Therborn, op.cit: 44) A virada no desenvolvimento das forças produtivas em direção a um caráter mais privado que público, fez com que um conjunto de relações de marcado também fosse alterado nesta direção. Nesse sentido entendemos que as relações de trabalho na área da educação, afetadas pelos baixos investimentos contribuíram para complexificar ainda mais as relações familiares, de emprego e (re) colocação no mercado de trabalho. Seria interessante, portanto, criar referências históricas da Educação Física com o quadro das etapas do capitalismo apresentado por Therborn. Isso poderia elucidar os meandros da aposta política no mercado que o Código de Ética patrocina, ou seja, como, no atual capitalismo competitivo, o sistema CONFEF/CREF, mesmo desencadeando uma perspectiva reformista e conservadora, conseguirá intervir e vender a qualidade social da Educação Física.

  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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THERBORN, Goran. (1995). “A crise e o futuro do capitalismo” In: Pós-neoliberalismo. As políticas sociais e o Estado democrático. Gentili, Pablo (org), São Paulo, Paz e Terra.

 


* Doutor em Educação (História, Sociedade, Política) na PUC-SP; Mestre em História e Filosofia da Educação pela PUC-SP; Docente da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás e Coordenador de Esporte Escolar do Ministério do Esporte. Este artigo foi originalmente publicado na Revista da UNICSUL no ano 2000.